segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Dia de Chuva


Era uma manhã de Janeiro, fria como tantas outras. O céu estava repleto de nuvens cinzentas que ameaçavam a qualquer momento fazer desabar uma torrente de água sobre os campos. Ela saiu de casa, apressada como sempre com a mente ocupada, completamente concentrada no desafio com que se iria deparar, perguntava-se se estaria a altura, se se tinha preparado o suficiente...
Seguiu por caminhos familiares que já sentia falta de percorrer regularmente. A bordo do autocarro de sempre apeado de gente desgastada a caminho dos seus empregos desgastantes. Continuava embrenhada nos seus pensamentos, revendo incessantemente toda a matéria de que se conseguia lembrar, sempre preocupada, nervosa, insegura, perguntando-se se seria capaz.
À chegada da capital saiu do autocarro, e dirigiu-se de imediato para a amada e detestada faculdade. Chovia. Felizmente trouxera o chapéu de chuva que era raro estar na mala, ainda mais raro ainda em dias como estes em que não nos podemos permitir pensamentos alguns que nos possam distrair. Abriu-o, imitando o gesto de tantos outros estranhos que por ela passavam, mas que nela não notavam, nem ela neles, afinal estavam todos tão atarefados. Quem é que se pode dar ao luxo de perder uns instantes a olhar em volta? Quem neste mundo tem tempo para no mundo ao seu redor? Isso é um luxo! Algo que só compete a ricos! A ricos ou a alguns pobres... mas nunca passa dos extremos, não pode passar.
"Rain" de Bram Leech
Mas, eis que, ao caminhar, ela repara que no meio da multidão de chapéu de chuva em punho, uma figura caminha só, no mesmo sentido que todos os outros, mas sem nada que o abrigue da chuva, nem um chapéu, nem um gorro, nem um livro, nada...
A verdade é que o rapaz estava a ficar cada vez mais ensopado a cada segundo que passava, e perder tempo em ponderações não serviria de nada, tinha que tomar uma decisão o mais depressa possível! Ouviu o seu grilo falante.
 - Queres boleia? - perguntou com um sorriso ao estranho.
Não houve resposta, apenas uma espécie de olhar de agradecimento seguido do mais rápido desviar em direcção ao abrigo do chapéu que ela já testemunhara. Sorriu. Sabia que tinha tomado a decisão acertada.
Após alguns segundos de "silêncio" constrangedor moderado apenas pelo som do tráfico matinal, típico de uma grande cidade que, como um coração, não pode parar; pelo som dos passos apressados dos restantes transeuntes; pelo som da chuva incessante a bater contra os chapéus. Ela decidiu falar um pouco mais.
 - Também vais para a faculdade?
 - Sim, obrigada por me ofereceres boleia. 
 - De nada, está a chover tanto, se não fizesse nada ias ficar todo molhado. - respondeu amavelmente.
 - O meu nome é Rui.
 - Eu sou a Laura.
À medida que se aproximavam do seu destino, as preocupações voltavam à mente dela, estava a poucos minutos de fazer um exame decisivo, não tinha tempo para falar com estranhos, ela tinha que ir o mais depressa possível para a sala, a hora aproximava-se. E se já estivessem a sentar os alunos?
 - Vais ter aulas? Ou fazer algum exame?
 - Vou fazer um exame, e tu?
 - Eu também. Estou no 2º ano de...
 - Desculpa, mas tenho que ir andando. O exame deve estar a começar, foi bom falar contigo. Adeus.
 - ...
Acenou-lhe e virou costas. Deixou-o assim, à chuva, tal como o encontrara, para nunca mais o voltar a ver. Seguia apressadamente em direcção à sala do maldito exame.
Podia parecer tolo, mas este encontro inesperado tranquilizara-a, sentia-se mais calma, mas completamente arrependida, porque é que tinha fugido? Porque é que deixara a conversa a meio? Podia ter feito uma nova amizade, em vez disso aquele rapaz não passou de um mero estranho com quem partilhou uma curta viagem até à faculdade num dia frio e chuvoso. Para nunca mais o voltar a ver. E porquê? Para quê? Para chegar 2 minutos mais cedo a um corredor atolado de pessoas stressadas, ocupadas, sem tempo de olhar em volta?

"Rain Princess" de Leonida Fremov

1 comentário:

Unknown disse...

Esta história parece-me familiar... Gosto da tua maneira de escrever, espero que a história continue... Quem sabe se o Rui e a Laura ainda se encontram pela faculdade noutro dia de chuva...